Por Samira Menezes

Arte: Ivam Volpe

Uma ideia clara na cabeça, um lápis na mão e um toque divertido de fantasia. Com esses três ingredientes, cartunistas veganos e vegetarianos conseguem falar de defesa animal de um jeito divertido e sem restrição de idade. Ou ainda, tirar um sarro das saias-justas pelas quais os vegetarianos costumam passar por causa da opção alimentar. Como a tirinha em que dois conhecidos estão almoçando em um restaurante self-service, criada pelo mineiro Koji Pereira, de 33 anos. Um dos personagens é vegano e tem o prato cheio, com muitas verduras, arroz, feijão, legumes… O outro personagem é onívoro e escolheu só arroz, feijão e carne. Ao saber da opção alimentar do vizinho de mesa, o onívoro pergunta espantado: “Você é vegano, você não come nada então?”.

Personagens, como estes de Koji Pereira, passam por situações que os vegetarianos encaram no dia a dia

“A inspiração para os cartoons vem de situações que eu vivo ou que alguém me conta”, diz Koji, que já tem 16 anos de veganismo. “Esse quadrinho do prato colorido, por exemplo, aconteceu com um amigo meu de São Paulo. Percebo que assim funciona muito melhor do que se eu sentasse para bolar uma ideia, assim do zero.” Mas mais do que retratar com humor a realidade dos vegetarianos, os desenhos (animados ou não) fazem muita gente refletir. “É uma ferramenta que pode ajudar as pessoas a pensarem um pouco mais.

Algumas tirinhas passam um conceito tão óbvio a ponto de as pessoas falarem ‘nossa, é mesmo!’. Acho que se a gente consegue esse efeito em um não vegano é o sucesso mais absoluto”, observa Koji. Além disso, os quadrinhos, garantem os cartunistas, são uma forma simples e direta para falar sobre qualquer tema, cabeludo ou não. “As histórias em quadrinhos estimulam a leitura, auxiliam na interpretação de histórias e, geralmente, são de fácil entendimento. Com desenhos e texto é possível defender e expor muitas ideias para a sociedade”, observa Sergio Antonio Ulber, autor das VerdesTiras, que o designer deixou de fazer em 2010 por falta de tempo.

Sem restrição

Uma característica muito bacana de qualquer ilustração, charge ou quadrinho é de que por trás de cada uma delas, sempre haverá a intenção de divertir o leitor. E isso é uma mão na roda para quem quer passar adiante a mensagem de defesa dos animais sem necessariamente chocar. Não por acaso, os desenhos têm se mostrado ferramentas bem interessantes para organizações como o Instituto Nina Rosa, que costuma usá-los como material de educação humanitária, principalmente entre as crianças. E entre os adultos também. “Trabalhar com a Nina me trouxe muito conhecimento e consciência sobre a indústria da carne”, lembra o ilustrador Airon Barreto, 53 anos, sócio da Cosmic, em São Paulo. Airon ilustrou e dirigiu o desenho animado Vegana, que o Instituto lançou em 2010 para crianças acima de 12 anos.

O quadrinho conta a história de Luka, uma garota que, por influência da tia Vera, aprende a respeitar os bichos e a defender o fim da exploração animal. “Antes mesmo da leitura, a imagem sempre chama a atenção, seja ela uma foto ou um desenho. No caso do desenho animado Vegana, a intenção era passar a mensagem, de forma mais leve, para todas as idades. Uma fotografia ou uma filmagem seria muito forte”, ressalta Airon, ilustrador desde a década de 1980.

Desenhos animados, como “Vegana”, ilustrado por Airon Barreto, motivam a reflexão sobre a exploração animal

Leveza e humor também são as marcas registradas de Magô Pool, de 30 anos, cartunista vegetariana de São José dos Campos (SP). Com traços suaves e muita delicadeza ao expor a temática vegana, suas ilustrações para o Instituto Nina Rosa fazem sucesso até hoje, como a intitulada Lei Áurea. No desenho, uma vaca, uma galinha, um porco e um coelho estão reunidos para fazer uma ligação. “Alô, é da casa da Princesa Isabel? É que a gente estava precisando de uma nova Lei Áurea por aqui”, diz a galinha ao telefone. Essa, segundo Magô, foi uma das suas ilustrações que mais teve repercussão. “Ela foi usada em muitas campanhas abolicionistas, pois é simples e direta, como um bom cartoon tem de ser. Mesmo um assunto sério tem que cativar quem está recebendo a mensagem”, ressalta Magô, que desenha desde os 18 anos.

As ilustrações que a paulista Magô Pool fez para o Instituto Nina Rosa continuam fazendo sucesso até hoje entre os veganos

Justamente por isso, o vegano Koji Pereira evita criar ilustrações sobre veganismo que considere muito agressivas. “Às vezes, mesmo que você, como vegano, não seja agressivo nas suas colocações, as pessoas ainda assim vão colocá-lo como extremista. Isso é muito interessante porque me mostra que o caminho é ser o menos agressivo possível”, reflete ele.

Nessa linha mais pacífica, as tirinhas VerdeTiras, de Sergio Ulber, deixaram saudades. O personagem Chico, um simpático vegetariano de cabeça grande (por ser muito sábio) vive com uma vaca rabugenta chamada Vida e um frango ingênuo conhecido como Pasta. O vizinho de Chico, porém, adora um churrasco e com frequência coloca em questão a escolha da alimentação do protagonista. “O Chico mora com uma vaca e com um frango por serem dois tipos de carne consumidos no mundo todo. Um deles tinha que parar na casa do Chico. Sorte deles”, disse Sergio em uma entrevista que deu para a Revista dos Vegetarianos em 2009 (confira na íntegra na edição 34).

As tirinhas VerdeTiras mostram o personagem Chico, um simpático vegetariano que vive com uma vaca rabugenta e um frango ingênuo

Mas vira e mexe algum cartunista não vegetariano faz uma tirinha ou charge que lembra o quanto os animais são maltratados e relegados a meros objetos. Em algumas das famosas tiras do Níquel Náusea, de Fernando Gonsales, por exemplo, animais bem sarcásticos fazem discursos para lá de animalistas. Como a que um homem se diz contra a pena de morte, mas a favor da prisão perpétua. No quadrinho seguinte, os pássaros que o tal homem mantém presos na gaiola gritam: “Deu pra notar!”. Até mesmo o mais amado dos cartunistas brasileiros, Maurício de Sousa, já criou um quadrinho que lembra a proteção animal. No episódio Faz por merecer, o simpático fantasma Penadinho explica como os casacos de pele são feitos, fala sobre os animais que são usados e as consequências desastrosas da indústria peleira.

Mais recentemente, no site www.charges.com.br, o cartunista Maurício Ricardo, que faz as animações no programa Big Brother, da TV Globo, criou uma versão muito irônica para um comercial da marca Friboi. Na propaganda original, o ator Toni Ramos aparece falando sobre a qualidade da carne produzida pela Friboi. Na charge de Maurício Ricardo, uma mãe e sua filha estão na seção de carne do supermercado quando aparece Toni Ramos para falar da carne vendida pela empresa. Ele narra com tanta riqueza de detalhes como o gado é abatido, que no final da sua fala a menininha sai chorando. A mãe então pergunta: “Toni Ramos, o que você está fazendo?!”. E ele: “Ensinando a sua filhinha a comer verdura”.

Nas telas

Um dos desenhos animados mais famosos da televisão e do cinema é o Simpsons. E qual fã não se lembra do episódio em que a garotinha Lisa Simpson decide se tornar vegetariana depois de visitar um zoológico? Quando já está quase desistindo do vegetarianismo, porque a família e os amigos continuam debochando de sua opção, Lisa finalmente encontra Linda e Paul McCartney que dão aquela força moral para que ela continue por sua estrada sem ter que brigar com os pais.

Em cena de Simpsons, a personagem Lisa passa a questionar o consumo de carne

Outro desenho que também aparece nas telinhas, mas que começou seu sucesso nos quadrinhos, é a série Dilbert, criado pelo norte-americano Scott Adams. Um dos personagens, Bob, é um dinossauro vegetariano. Tranquilão e em busca de emprego, Bob não deixa o sarcasmo de lado, principalmente quando é questionado sobre seu vegetarianismo. Em uma tirinha, Dilbert pergunta:

— Bob, você quer frango?

— Eu já te falei que sou vegetariano. Eu só como vegetais.

— E peixe? Você come peixe?,
pergunta Dilbert.

— Peixe não é vegetal, responde Bob.

— E que tal caranguejo? Você
come caranguejo?

— Não, mas você está começando a parecer apetitoso.

Mesmo que não faça refletir a fundo, um quadrinho inteligente, com certeza, fará rir. E só isso já vale a pena.