Artigo de Valkiria Assis para a Escola de Nutrição

Desde 2018, mais de 1.500 agrotóxicos foram liberados no Brasil, só em 2021 foram 641. A Câmara dos Deputados aprovou em fevereiro deste ano o Projeto de Lei 6299/02, revogando totalmente a lei atual sobre agrotóxicos. Sem espaço para participação popular, o projeto agora depende da aprovação do Senado.

O “PL do veneno” – como tem sido chamado – traz diversas alterações, uma delas é a mudança do termo agrotóxico para pesticida e/ou produtos de controle ambiental, mascarando a toxicidade do produto.

Outra novidade é que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) não têm mais poder de veto, passando essa função para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Na prática, somente o MAPA poderá aplicar penalidades e auditar empresas e institutos de pesquisa, ignorando os posicionamentos do Ministério da Saúde e do meio ambiente, e liberando mais agrotóxicos.

Além disso, a produção e a importação de agrotóxicos só é vedada caso apresente “risco inaceitável”, sem definir critérios para tal.

Permite também a produção e uso (antes mesmo de haver pragas) de misturas de agrotóxicos criando substâncias completamente novas e que não tiveram seus riscos avaliados.

Na legislação anterior, toda propaganda desse tipo de produto deveria advertir sobre os perigos do uso e estimular a leitura dos rótulos, o que não está previsto no atual projeto, não havendo restrições sobre a publicidade de agrotóxicos.

Não há dose segura no uso de agrotóxico, eles são uma ameaça à vida e ao meio ambiente em qualquer concentração. Pesquisas apontam que eles podem gerar câncer, doenças neurológicas, renais, má formação fetal, asma, deficiências congênitas, redução de peso no nascimento, distúrbios hormonais e até levar à morte. É inaceitável que a produção de alimentos contamine solo, água, ar e trabalhadores com veneno.

A aprovação do PL do veneno representa um retrocesso que vai na contramão das demandas sociais e planetárias, oferecendo riscos graves ao meio ambiente e à saúde pública.

Ao contrário do que muita gente imagina, agrotóxicos não estão presentes somente nos alimentos in natura (frutas, vegetais e legumes). A pesquisa “Tem veneno nesse pacote”, realizada pelo IDEC em 2021, revela que há agrotóxicos em 59% dos produtos ultraprocessados mais consumidos no Brasil.

Cereais matinais, biscoitos, bebidas lácteas, pães e todos os produtos com trigo na composição indicaram resíduos de algum agrotóxico. Cerca de 60% dos produtos analisados continham ao menos um agrotóxico, e mais de 50% continham glifosato (considerado potencialmente cancerígeno) ou glufosinato (relacionado à má formação embrionária e problemas no sistema nervoso central).

A produção de 1 kg carne bovina, comparada com a produção de 1 kg de feijão, exige uso de dez vezes mais agrotóxicos. Nos animais, os pesticidas são utilizados na prevenção e no tratamento de enfermidades parasitárias. Além disso, a ração consumida é feita com grãos contaminados por agrotóxicos, que estão presentes também nas plantas consumidas pelos animais. Devido ao elevado teor de gordura corporal, os animais acumulam mais resíduos de pesticidas ao longo da vida, e o ser humano quando consome alimentos de origem animal (leite e seus derivados, óleos e gorduras, carnes e ovos), ingere os xenobióticos concentrados.

Agrotóxicos não são seguros para ninguém e não estão presentes somente em hortaliças, apresentando um teor alto das substâncias em carnes e produtos ultraprocessados, que além dos agrotóxicos contém outras composições com potencial de gerar adoecimento humano.

A International Vegetarian Union (IVU) recomenda o uso de alimentos oriundos da produção orgânica. Porém, na impossibilidade de acesso a eles, frutas, hortaliças e demais vegetais não devem deixar de ser consumidos, pois os estudos mostram os efeitos positivos para a saúde humana, mesmo quando esses produtos não são orgânicos.

Ao contrário do pacote veneno, a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, a PNARA (PL nº 6.670/2016), foi construída por centenas de entidades do campo e da cidade, relacionadas com a defesa da agroecologia, da saúde pública, da ciência e da natureza. A PNARA prevê a redução gradual do uso de agrotóxicos e transição para a produção orgânica e agroecológica.

Uso de agrotóxicos e consumo de ultraprocessados estão ligados a graves problemas de saúde pública e deterioração da saúde planetária. Uma forma de se mobilizar nesse momento é acessar a plataforma abaixo-assinado “Chega de Agrotóxicos”, apoiando a causa que segue aberta a adesões. Apoiar projetos de lei contrários a esse, como a PNARA, e divulgar informações sobre os riscos do consumo de agrotóxicos é essencial para que todos tenham acesso a uma alimentação segura e livre de veneno.