Com uma “receita” de bacon à base de fungos, alunos da Universidade Positivo (UP) estão mudando o cenário de tecnologia de alimentos no Brasil e prestes a mudar o mercado de proteínas alternativas no País. A Hyph – Proteínas Alternativas, empresa recém-criada por quatro egressos do curso de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia da UP, está no início da jornada formal corporativa, mas os testes para o negócio começaram em 2022, em duas estufas construídas em um laboratório de garagem. A proposta já provou ser promissora: em março, a Hyph foi uma das selecionadas pelo Programa Centelha e receberá um aporte para investir em infraestrutura e avançar no desenvolvimento do produto.

Constituída por Matheus Perotti, Giovanni Canestraro, Alexandre Nagazava e Willian Wallace, um grupo apaixonado por micologia, a Hyph – Proteínas Alternativas foi batizada em homenagem à hifa, uma estrutura comum em fungos. Os sócios se conheceram na faculdade, e desde o início da ideação do projeto, contaram com o apoio da professora do curso Thabata Maria Alvarez, que atualmente é consultora científica da Hyph.  

A startup tem feito testes para produzir bacon a partir de micélio e cogumelos, ambos partes de fungos – enquanto a primeira é a estrutura do corpo de um fungo, a segunda é a sua frutificação. Com o aporte do Centelha, a Hyph poderá investir em equipamentos que garantam segurança alimentar para o processo, que consiste em estimular o micélio a crescer sem frutificar, o chamado “micélio aéreo”. “Os próximos passos são lapidar o processo de produção do micélio aéreo, permitindo o escalonamento industrial, e viabilizar economicamente a produção”, diz Matheus.

Dentre os equipamentos a serem adquiridos pela Hyph estão um fluxo laminar (espécie de cabine em que o ar passa por um filtro para esterilizá-lo e que impede a contaminação das amostras), uma autoclave para esterilização de equipamentos, além de ampliação e melhoria da estrutura.

Como a técnica de estimular apenas o crescimento da estrutura do corpo do fungo tem sido usada em outros mercados, como o farmacêutico, têxtil e de construção civil, há uma boa bibliografia técnica e acadêmica sobre micélio aéreo. No entanto, usar este micélio para produzir proteína alternativa é algo inédito no Brasil. Segundo o levantamento da Hyph, há cerca de 15 startups no mundo que usam a tecnologia à base de micélio e micoproteínas para a indústria alimentícia. Quando comparando ao reino vegetal, é como se a Hyph estivesse usando os galhos de uma árvore em vez da fruta. 

O quarteto testou em suas estufas cogumelos culinários fáceis de encontrar no varejo, como shiitake, shimeji e ostra real, mas não revela qual a espécie que tem maior propensão a produzir o micélio aéreo. “O bacon à base de fungo é o nosso primeiro mínimo produto viável (MVP). Queremos aperfeiçoar esse produto para entrar no mercado, o que deve acontecer até o início de 2025”, relata Matheus. “No processo que idealizamos, nosso objetivo é chegar à produção do micélio já saborizado, o que apenas três empresas no mundo conseguiram”, completa.

A proposta de bacon funghi-based da Hyph visa a utilização de ingredientes naturais para sua saborização. A formulação permanece como segredo industrial. “Queremos um produto clean label, então buscamos evitar a utilização de realçadores de sabor e conservantes artificiais”, pontua Matheus. Além de sabor, os ingredientes conferem a cor marrom avermelhada característica do bacon, e a textura do fungo ficará crocante se for frita na gordura, tal como o bacon animal.  

Sustentável e saudável

Mundialmente, o mercado de alimentos para vegetarianos tem visto um crescimento na oferta de “substitutos” para a carne em torno de 7% ao ano. “Os produtos plant-based industriais são, em sua maioria, formulados a partir de leguminosas e cereais reconstituídos, o que os classifica como ultraprocessados.”

No caso dos funghi-based propostos pela Hyph, o processamento do ingrediente é mínimo: a parte cortada do fungo é seccionada conforme o resultado que se almeja: fatiada para fazer o bacon, triturada para uma textura de carne moída ou desfiada para a ideia de frango desfiado, por exemplo. A textura e resistência à mordida desses produtos se devem à estrutura original do fungo, e não à construção artificial em laboratório. “Há o ganho nutricional ao usar fungos para proteínas alternativas: diversas espécies de fungos têm o perfil de aminoácidos essencial completo”, frisa Matheus. 

Dentro das diretrizes do Guia Alimentar para a População Brasileira, a proposta da Hyph busca se encaixar na definição de minimamente processado, uma categoria de alimentos muito presente na alimentação equilibrada. Um hambúrguer vegetal industrializado à base de ervilha e soja, por sua vez, é um ultraprocessado, o tipo de alimento cujo consumo o Guia Alimentar recomenda evitar.

A produção de matéria-prima do plant-based e funghi-based é radicalmente diferente: plantas precisam de uma área de produção com terra e o ciclo vegetal pode levar meses, além do alto processamento dos ingredientes para conseguir isolar proteína e carboidrato. No caso dos fungos, as espécies crescem em substratos “pobres”, que podem, inclusive, ser subprodutos agroindustriais, tais como cepilho, palha de milho, cascas secas ou borra de café. “E a produção pode ser verticalizada, o que otimiza a produção em um espaço pequeno e faz com que o processo seja escalável”, observa Matheus. A cadeia do alimento também fica mais curta: um fungo se desenvolve em questão de dias ou semanas.